COLECTIVA

SILVESTRE PESTANA, CAROLINA PIMENTA / JULIÃO SARMENTO, LUÍSA SEQUEIRA, FILIPE MARQUES


GALERIA NUNO CENTENO
Rua Da Alegria 598
4000-037 Porto

04 MAI - 11 JUN 2019

A Galeria Nuno Centeno tem sido reconhecida e elogiada nacional e internacionalmente pelo trabalho que desenvolve tanto na cidade em que se situa, no Porto, como nas feiras em que marca, assertivamente, presença. No passado ano de 2018, sendo uma das poucas entidades portuguesas na feira Frieze New York, foi premiada com o lugar de melhor stand, o que refletiu, precisamente, a qualidade do seu projeto.

É dirigida por Nuno Centeno, um dos fundadores da Galeria Múrias-Centeno que, aos 37 anos, já havia sido distinguido pela Artnet como um dos dez mais influentes negociadores de arte europeus. Foi em 2009 que abriu as portas das atuais instalações, na Rua da Alegria, numa estrutura que se destaca pela sua singularidade espacial e estética.

Observando o que tem sido produzido, atendendo aos trabalhos apresentados e às iniciativas conduzidas pela galeria, nomeadamente no último ano, é evidente que afirma a sua posição enquanto exemplar do que melhor se produz no contexto artístico portuense. Assim, torna-se indispensável e necessário conhecer este espaço e estar atento ao que nele se concretiza.

Tal como num museu, entrar na Galeria Nuno Centeno é iniciar a visita a uma instituição com lugar para a diversidade e a pluralidade artísticas. Denota-se uma particular atenção à qualidade da criação e uma menor subserviência às lógicas de mercado que, frequentemente, condicionam a atividade dos galeristas. Apresenta-se com o vibrar e o pulsar de um forte fluxo de práticas, técnicas, plásticas e expressões que se manifestam na conjugação com uma experiência estética aos mais variados níveis.

Presentemente, o percurso na galeria é iniciado por Silvestre Pestana, com um trabalho que é plural e ativo e cujo nome Neurons / Neurónios(2017) se estende enquanto título desta sua exposição. Como já é expectável deste artista, aquilo que ele desenvolve transforma o espaço e, inevitavelmente, o espectador que o visita. Sendo um dos criadores mais radicais e sui generis da arte contemporânea portuguesa, apresenta uma criação absolutamente distinta de tudo o que demais se realiza. Se, na contemporaneidade, se problematiza a utilização do critério da originalidade na análise e na crítica de arte, com Silvestre Pestana o conceito é oportuno e justificado.

A par dessa primeira e maior obra exposta, uma segunda sala apresenta outra instalação de Neurónios, mais atuais, concebidos em 2019. As duas composições de néons, modelados com pulsos de luz, conduzem visual e perceptivamente a observação e a recepção por parte do público. Assim se declina uma linguagem de inúmeros códigos físicos e tecnológicos, reais e virtuais, como é próprio do autor, principalmente da obra que tem produzido nos últimos anos. Também discursam as peças que, entre uma sala e a outra, se apresentam como Poema, desenhos estereoscópios sobre tela, de Celeste Cerqueira, a companheira de arte e de vida deste incontornável artista português que aqui permanecerá exposto, até ao dia 11 de Junho.

Desta projeção de energias, avança-se para a dos vídeos da artista Luísa Sequeira. Destaca-se, desde logo, Becomingness, concebido durante o processo de realização da sua longa-metragem Quem é Bárbara Virgínia? (2017), trabalho este que concluiu um incessante e dedicado projeto que a artista conduziu durante anos. É através do primeiro vídeo, agora exposto, curto mas complexo e multifacetado, que a artista une e relaciona essa sua grande influência cinematográfica portuguesa à cineasta americana Maya Deren e à sua mãe, esta última a partir do episódio do seu casamento. Resgatam-se e revivem-se, assim, trabalhos passados e arquivos familiares que se cruzam e conjugam com outras e novas filmagens. O resultado é caracterizado por uma singularidade notável e uma forma visual, auditiva e expressiva particularmente envolvente, sensível e sensitiva. No espaço contíguo, em díptico, apresentam-se os magníficos filmes Aldeia dos Rapazes (1946) de Bárbara Virgínia e Zéro de Conduite(1933) de Jean Vigo. Estas duas obras colocam-se em paralelo e em confronto no sentido de enunciar que, apesar da equiparável vocação artística dos seus autores, a notoriedade de ambos não foi proporcional devido à diferença de género, problema que a artista procura combater.

Não menos importantes são os restantes objetos distribuídos no mesmo espaço, pela mão do curador da exposição Sama, artista brasileiro e marido de Luísa Sequeira. Com um particular magnetismo, instalando-se no chão, evidencia-se a obra Cruz Fixa, composta por doze caixas de luz que se assemelham a telas de cinema iluminadas e convocam outras referências femininas do cinema para se juntarem a este momento artístico. É, porém, importante compreender que o que se apresenta não é somente um trabalho de caráter feminista, mas consiste numa ininterrupta investigação cinematográfica movida pela recorrente ocultação do lugar da mulher enquanto realizadora de cinema. Luísa Sequeira dá forma e imagem às questões que parecem ser insuficientemente verbalizadas e discutidas. Ora, não só se deve relembrar a relevância de dar visibilidade a esta matéria como também à própria artista e à sua obra, começando por visitar a mesma, até 25 de maio.

Paralela e contrariamente às problemáticas das minorias da esfera da arte e da sociedade, também o seu oposto é caso de estudo e de observação. O universo do comum, do quotidiano e das relações humanas constitui material para uma interessante incursão pessoal e artística que se desenvolve e materializa no cativante trabalho fotográfico Almost Famous. O que Carolina Pimenta apresenta na Galeria Nuno Centeno é o resultado de uma série de disparos, de capturas fotográficas, que exploram e expõem a esfera do privado numa espécie de pesquisa sociológica ou, no limite, antropológica. A obra convida o espectador a entrar no circulo, no meio de várias personagens que, mediante o despudor com que se deixam retratar pela artista, perdem a imagem e a aparência disciplinada que constroem e apresentam, habitualmente, ao para o exterior. Ao contrário de outros trabalhos de índole próxima, do fotógrafo que age enquanto voyeur, como se vê, por exemplo, com a incontornável Nan Goldin, aqui a dinâmica que se apresenta não é a mais precária mas a de luxo, da classe burguesa caucasiana, com tudo o que esta tem de melhor e de pior.

A curadoria desta exposição que assim se manterá na Galeria Nuno Centeno até ao dia 11 de junho, é concretizada pelo ilustre Julião Sarmento, que coloca o trabalho da artista num patamar mais elevado, tanto visual como discursivamente. As cores das paredes sobre as quais as fotografias se dispõem apresentam uma dinâmica cromática tão expressiva, viva e estimulante quanto os próprios episódios narrados. A exposição reforça, assim, o conteúdo da obra, exemplo claro da importância da forma e do contexto como os objetos artísticos são projetados e, subsequentemente, recebidos pelo espectador. A capacidade artística e curatorial de Julião Sarmento é, com efeito, tão nítida, presente e determinante quanto o próprio projeto, crítico, frontal e descomedido de Carolina Pimenta.

A Galeria Nuno Centeno junta, assim, Silvestre Pestana, Carolina Pimenta / Julião Sarmento e Luísa Sequeira. Também se expõe Filipe Marques com No Silêncio Sem Me Fazer Ouvir (5 de maio - 11 de junho) mostra esta que, tanto pela zona particular da galeria em que se encontra instalada como pelas suas características, conduz o espectador por uma viagem arqueológica repleta de artefactos e de significações várias.

Esta atual, plena e múltipla exposição destes artistas reflete vários valores pelos quais as instituições culturais deveriam conduzir-se: mostrar criadores fundamentais ao desenvolvimento da arte contemporânea, incentivar o cruzamento entre artistas e impulsionar e dar palco a criadores notáveis menos reconhecidos.

CONSTANÇA BABO