Seis galerias do Porto olham o hoje, a pensar no amanhã

PÚBLICO


Galeristas uniram esforços para superar a crise agravada pela pandemia. Situação 21, com curadoria de Miguel von Hafe Pérez, é o primeiro momento do projecto.

Há uma notória vantagem em asso- ciar a visita às seis exposições que, noutras tantas galerias do Porto, assi- nalam hoje a abertura do projecto Situação com um salto àquela que se mantém na Galeria Municipal até dia 25, Que horas são que horas. Se esta faz um balanço histórico das últimas seis décadas e meia (1945-2010) da criação e do mercado das artes plás- ticas e visuais na cidade, o novo ciclo actualiza, e projecta para o futuro, o circuito artístico portuense.

Situação 21 — Histórias com ama- nhã: uma cartografia solidária da relevância das galerias do Porto, títu- lo desta nova série de exposições, não se limita, de facto, “a mostrar e promover o que é contemporâneo”; propõe, simultaneamente, “uma visão de futuro”, diz ao PÚBLICO Miguel von Hafe Pérez, o comissário- geral da iniciativa que, neste primei- ro ano, envolve seis das mais relevan- tes galerias do Porto: Quadrado Azul, Fernando Santos, Presença, Pedro Oliveira, Kubik e Nuno Centeno.

Se este projecto vinha sendo traba- lhado há já algum tempo, a circuns- tância da pandemia veio reforçar a necessidade de as galerias encontra- rem novas formas de armar o lugar das artes, e o mercado que lhes está associado, no contexto cultural do país. “Para além do vínculo primor- dial com os artistas que representam e expõem, as galerias são produtores culturais que envolvem curadores, tradutores, montadores, transporta- dores, técnicos de som e imagem, fotógrafos, moldureiros, designers, etc.”, lembra Pérez, realçando “a feliz coincidência” da convergência entre o projecto Situação e a exposi- ção da Galeria Municipal, e também a preocupação da autarquia com a dinâmica cultural da cidade.

Manuel Ulisses (Quadrado Azul), Pedro Oliveira e João Azinheiro (Kubik) foram os mentores deste pro-

jecto, que se propõe sustentar não apenas o prolongamento deste ciclo de exposições para os próximos anos, mas também a renovação e a expansão, até geográca, da movida centrada na Rua de Miguel Bombar- da. “Se calhar, não interessa tanto ter mil pessoas na rua e apenas duas a entrarem nas galerias”, diz o comis- sário, realçando a necessidade de se encontrar novas formas de captar o público para as artes.

Para este primeiro momento do projecto, o crítico, professor e histo- riador de arte foi desaado a esco- lher seis curadores que, em ligação com os galeristas envolvidos, dese- nhassem exposições capazes de reectir não apenas o contexto artís- tico actual da cidade, mas também de projectar o futuro.

“Foi-me pedido que pensasse o projecto no sentido de articular a rea- lidade e os acervos das galerias, mas com algum elemento diferenciador, ou seja, que não se limitasse a fazer uma abertura simultânea de seis exposições”, explica o comissário. De forma “intuitiva”, escolheu sete cura- dores (a trabalhar com a Quadrado Azul está a dupla Luís Pinto Nunes- Luís Albuquerque Pinto) — alguns deles, como Aida Castro (Presença) e Samuel Silva (Kubik), foram seus alu- nos na Faculdade de Belas Artes —, aos quais propôs “um exercício de liberdade intelectual e discursiva”.

Da Miguel Bombarda...

É esse discurso que, até 5 de Junho, o visitante terá à sua disposição, num roteiro que o fará regressar a Miguel Bombarda, mas também o levará a outros lugares da cidade. No quartei- rão que nos últimos anos — mesmo se com algum abrandamento nos tem- pos mais recentes — tem concentrado as atenções dos amantes das artes, Situação 21 está representada pela Quadrado Azul, pela Fernando Santos e pela Presença. É bem provável que, a receber o visitante, Manuel Ulisses se coloque junto ao desenho Uma flor que talvez não distinga o céu e a terra, que lhe foi “afectuosamente” ofere- cido por Álvaro Lapa (1939-2006), e fale da amizade que ao longo dos anos construiu com o artista. Para a Qua- drado Azul, a dupla de curadores propôs-se encenar uma Área de encanto, pondo em diálogo outros

históricos da galeria, como Ângelo de Sousa (1938-2011), Fernando Lanhas (1923-2012), Alberto Carneiro (1937- 2017) ou Zulmiro de Carvalho (n. 1940), com convidados “contempo- râneos”, como João Pais Filipe, Maria- na Caló ou Mariana Barreto.

Do outro lado da rua, Aida Castro reuniu para a Presença cinco Pontas duplas. Há também nomes consagra- dos, com o mesmo Álvaro Lapa e a memória documental da exposição Retratos Duplos Corpos, que em 1995 ali realizou, ao lado de uma série de retratos de Helena Almeida; os mecanismos de Miguel Palma ao lado da arte pirotécnica de Elisa Pône; a densidade da escultura de

Gustavo Sumpta junto à leveza das criações de Mafalda Santos; a arte em movimento de Carlos Mensil com a instalação de Diana Geiroto Gon- çalves; e, na montra, o diálogo da fotograa de Noé Sendas com um vídeo do Colectivo Sem Fim, Encon- tro-me a encontrar-te.

Na Fernando Santos, Andreia Gar- cia reuniu 20 Contemporâneos extem- porâneos, convicta de que “o que mantém a corrente de criação é uma ligação verbal da palavra tempo à palavra desconforto”, como explica no programa. Há os clássicos da gale- ria (Cabrita, João Louro, Ana Vidigal, Cristina Mateus...), ao lado do dese- nho-fotograa de Teresa Esgaio, da instalação em espaço privado da dupla Mariana Caló + Francisco Quei- madela, ou a pintura-estore de Inês Teles, a coar a luz na montra.

... até ao rio Douro

Já na marginal do Douro, em Massa- relos, a Kubik mostra as Uterotopias imaginadas por Samuel Silva num workshop que envolveu a equipa da galeria e os artistas Catarina Real e Luís Ramos. Mas a Kubik repõe tam- bém uma obra de Salomé Lamas, cuja exposição tinha sido interrompida pela pandemia, além de apresentar trabalhos de Pedro Tudela, Sérgio Fernandes, Valter Ventura e do pró- prio curador-artista Samuel Silva. “Foi uma curadoria participativa, que o Samuel organizou através de algu- mas linhas de orientação”, explica João Azinheiro, fundador da galeria.

A escassos metros, e com vista pri- vilegiada sobre o rio, Susana Louren- ço Marques reuniu na Pedro Oliveira seis artistas sob o mote We want elec- tricity. Numa selecção apresentada como “uma ode à persistência e irre- verência” desta galeria já com três décadas, propõe uma viagem ao ima- ginário do rock’n’roll, numa associa- ção das artes plásticas com a música que inclui fotograas de grande dimensão de Luís Palma, inspiradas em Iggy Pop, peças de coleccionador de Pedro Magalhães, desenhos de viagem de Lee Ranaldo, dos Sonic Youth, além das paletas sónicas de João Paulo Feliciano, das fotograas de Carlos Lobo e de uma ode foto-vi- deográca à memória da já desapare- cida Patrícia Almeida (1970-2017).

Novo salto no mapa de Situação 21, desta vez para a parte alta da cidade, onde a Nuno Centeno acolhe Os con- viventes, com curadoria do galego Pedro de Llano. A sua selecção de “retratos, auto-retratos e rostos” rea- lizados por artistas da galeria promo- ve a convivência entre os nomes do seu catálogo (André Sousa, Carolina Pimenta, Silvestre Pestana, Merlin Carpenter, Blake Rayne ou Gretta Sarfaty) e peças de coleccionadores portuenses, como a escultura visce- ral de Alisa Heil ou os moldes senso- riais feitos de cascas de árvore e resina de Dalila Gonçalves.

No próximo ano, se a pandemia o permitir, haverá Situação 22.